Esse relato real foi o texto vencedor do 15º CONCURSO FNLIJ LEIA COMIGO! 2016 Veja aqui.
Vicente
tinha cinco e Inácio, três anos completos.
Sobrinhos
muito amados. Sempre leio para os dois. Sinto
que eles me veem como “a tia que vem aqui ler pra gente”. Sempre pedem, mostram
os livros novos, querem que eu releia os preferidos de cada um, disputam para
ver quem vai escolher as histórias do dia. O texto flui sem interpretações, e
eles gostam assim, se envolvem com a narrativa, entendem os enredos, percebem
quando um e outro personagem ou o narrador estão falando. Sem voz esganiçada
para mulher, grossa para homem ou tatibitate para criança. Ah, eles adoram, sim, uma gargalhada de bruxa!
Morrem de medo da bruxa, riem da tia.
Para
o Vicente, certa vez, li o original do meu segundo livro, o Lá no meu quintal. Sentados no banco detrás do carro, ele, com três anos, atento. Não
tinha ilustração nenhuma, só o texto. E, pasme, eu lia o arquivo pelo celular. No
final, surpresa! “Tia, por que você fez a tia do menino tão má?”
Meu
outro sobrinho, o Inácio, desde que sabe andar e tem força para carregar peso
usando suas próprias mãos, vai à estante, escolhe o que quer, chega perto de
mim e ordena: “Leia!”. Tem preferência pelos grossos e pesados. Uma vez, me
trouxe o Código Civil todo feliz, acho que não tinha feito nem dois anos: “Leia!”.
É súplica, ordem, pedido. Olha para mim apertando os olhos, sério, ansioso.
Antes
mesmo de sentirem o que é ler, meus sobrinhos são leitores vorazes,
interessados, valorizam as palavras. Gostam de ilustrações, mas sempre
questionam quando não veem além do que o texto está dizendo. Isso é mágico!
Um
dia, em uma noite em que eu lia um livro atrás do outro para eles, enquanto
jantavam, Vicente avistou, na prateleira, “O Menino Maluquinho”, do Ziraldo. Foi à estante da sala, onde os livros dos pais
moram junto com os dos filhos, e trouxe o volume encapado, páginas manchadas e
amareladas.
–
Olha, tia! Sabia que esse livro é velho porque era do meu pai, da Tia Helena e
do Tio Antonio? De quando eles eram pequenos! – disse o Vicente – Agora é
nosso!
–
Eu também tenho o meu guardado! – falei.
Comecei
a ler:
–
“Era uma vez um menino maluquinho. Tinha o olho maior do que a barriga. Tinha
fogo no rabo. Tinha vento nos pés...”
Contei
a ele que de tanto ler, sabia algumas partes de cor. O Ziraldo era padrinho do
Clube de Leitura da minha escola e, vez em quando, ia lá ler com os alunos, eu
inclusive. Disse que virei escritora por causa de gente como Ziraldo.
–
Eu também sei uma parte, tia – Vicente
falou – Já li muitas vezes esse livro! –
Me mostrou: “E macaquinhos no sótão...”.
Olhei
para a mãe deles e me lembrei de quando eu lia “O Menino Maluquinho” para ela.
Eu, com 12 anos, minha irmãzinha com quatro. Agora os meninos dela! O mesmo exemplar
do livro que os avós do pai e dos tios leram! Quanta emoção!
De
repente, não consigo mais evitar e sou tomada por uma coceira no nariz e um frio
na barriga. É uma das melhores sensações que se pode ter, juro.
Os
meninos percebem o clima. Minha irmã ameaça rir de mim.
“Por
que você está chorando, tia?”
“Ela
está emocionada com o livro”, Marina fala, enquanto as minhas lágrimas pulam de
galho em galho, olho em nariz, e escorrem para minha boca. Não enxugo. Não
nada.
Eles
não perguntam mais, investigam, admirados, a mais nova descoberta sobre os
livros. Os pequenos olhos riem. As dúvidas
estão vivas, brilhantes, mas eles guardam como tesouros.
Não
sei se a voz trêmula da tia os perturba, mas tento não descompassar o ritmo da
leitura, consciente de que eles estão sorvendo o mistério.
Olho
para eles quando o livro chega ao final, que eles já conhecem.
Repito
a palavra. Feliz.
Choro
com vontade. Minha irmã liberta a gargalhada. O Inácio olha para a tia. Imita
neném chorando.
Vicente
guarda O Menino Maluquinho e já vai
trazendo outro, escondendo o jogo, um sorriso sacizeiro que, sinceramente,
quero guardar para sempre na memória cada vez que for ler para um maluquinho.
Vicente
abre o livro dos contos do Andersen e pergunta:
“Tia,
agora você quer ler para mim a da menina vendedora de fósforos?
E
lá vai a tia, com os olhos ainda ardidos, ler a história da Menina dos Fósforos,
um dos contos mais tristes recolhido e recontado por Andersen, no começo do
século XX. Sai o menino feliz e entra em cena uma menina que, na noite de Natal
ou de Ano Novo, perambula pelas ruas no inverno europeu, descalça, sem pai nem
mãe, sem comida, tentando vender caixinhas de fósforos.
Obviamente
que ninguém compra nada e a menina segue, gélida, famélica e sozinha. Depois de
sofrer bastante, a menina resolve usar palitinhos de fósforo para se aquecer e,
então, eis que ela começa a ver alguma cenas.
Primeiro,
ela vê mesmo o interior das casas ricas ao redor, com suas imensas ceias fartas
e lareiras acesas. Até que, depois de acender uma caixa inteira de fósforos e,
obviamente, não se aquecer, ela tem uma visão da avó, que já morreu obviamente.
E o grand finale, pobre tia leitora
em prantos, é a Menina dos Fósforos reencontrando sua falecida avó e, enfim, se
aquecendo junto às estrelas brilhantes do céu.
Não
queria chorar, tia?
Maravilhoso. Que sorte que têm esses sobrinhos!!!!!!!
ResponderExcluirFlavinha, a sorte é ter sobrinhos maravilhosos!
ResponderExcluirQue lindo!!!! Amei o texto, esses meninos são mesmo sortudos!!!!
ResponderExcluirObrigada! Beijo!
ResponderExcluir= ) muito maneiro, Sol!!!!!!
ResponderExcluirObrigada, Miriam!
ExcluirVicente e Inácio lindos de fabulosas histórias de tia...
ExcluirDelicia de momento!
Suas lembranças enchem de orgulho... De ter sido cúmplice de muitas histórias que viram narrativas especiais.
Parabéns!!!
Sá, você foi meu exemplo sempre e ainda é hoje. Para você, para nós, para as histórias que vivemos juntas, juro que me faltam as palavras. Enquanto isso, as lágrimas pulam. Uma emoção e uma alegria sem fim ter tido você desde muito cedo na minha história, na minha vida.
ExcluirMil beijos
Que lindo, Sol!
ResponderExcluirVocê sabe que sou fã sua! É uma alegria muito grande saber que você gostou!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirFinalmente li! E meus olhos também encheram de lágrimas ao final! Lindo!!
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