sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Versos de cordel no Parque


Campanha Paixão de Ler 2013. 
Poesia no Parque. 
Bom de dizer! Melhor ainda de ouvir! 
Vem!


Sábado sem amor

Sábado é dia do amor
E o amor falhou, o amor fugiu

Sábado é dia do amor
E o amor cansou, o amor faliu

Sábado é dia do amor
E o amor doeu, o amor dormiu

Sábado é dia do amor
E o amor caiu
O amor enfezou
O amor desistiu
O amor depenou
O amor se enganou
O amor despencou
O amor prosseguiu
O amor trapaceou
O amor se feriu
O amor se frustrou
O amor rastejou
O amor demoliu
O amor rejeitou
O amor sucumbiu
O amor se perdeu

O amor se matou

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Dia D


A falta de sentido


Não têm sentido as contas, os contos, os deadlines, as revisões, as reuniões, a oficina, o pilates, a análise.
 
Não têm sentido acordar, tomar banho quente, passar hidratante, colorir as unhas, aparar as pontas. Não tem sentido assinar cheque, ligar pro cartão, discutir com o gerente, processar a Net, entrar no Facebook, comprar fruta, tirar xerox, mandar e-mail.

Nem o prazo pra entregar tem sentido.
 
Nem tirar certidão. Nem autenticar.
 
Nem madrugar. Nem não dormir.
 
Não tem sentido o projeto. Nem o outro lançamento. Nada.
 
Não tem sentido novembro. 
Não tem sentido dezembro.

Há uma inutilidade desconcertante que está me esmagando hoje.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Minhas memórias de Lá no Meu Quintal


Lá no Meu Quintal, meu segundo livro, ficou pronto em menos de três meses, graças à parceria de duas pessoas a quem preciso agradecer. Agostinho Ornellas e Luciana Bastos Figueiredo.  No dia 01 de julho de 2013, mandei um e-mail para o Agostinho, meu colega ilustrador da oficina de literatura infantil e juvenil da Ninfa Parreiras. Mal nos conhecíamos, mas achei que tínhamos que escrever um livro juntos depois que ele deu uma palhinha de como era sua infância no quintal de sua casa. Imaginei logo as aquarelas que ele faria e sonhei com este livro que ficou pronto dois meses depois. Sim, é por causa do meu desejo de ter um texto aquarelado pelo Agostinho que esse livro existe. Depois de sonhar, comecei a me perguntar como iria escrever uma história que não era minha. Nem de verdade nem de mentira. Tá, morei numa casa com quintal, mas há mais de 30 anos me mudei de lá. Resolvi fazer uma "entrevista" com ele, mandei o email, já pedindo desculpas.

"Agostinho, vou começar confessando que estou rindo só de imaginar você lendo essas perguntas e pensando "A Sol é maluca". Bom, hoje, inclusive, acho que acordei um nível acima...mas aí que estou "canalizando" a loucura para a literatura e,finalmente, envio as perguntas para começarmos nossa história a quatro mãos. Pensei no título "Meus morcegos e nossa amendoeira". O que acha?  
Quanto às respostas, lembre-se de que você pode responder tudo da sua cabeça de escritor. Portanto, nada de respostas curtas. Preciso de material. Proponho que você me entregue até dia 14 de julho. D´accord?

Qualquer desistência, me avisa, mas não tem mais a desculpa de que você está escrevendo tese...hahaha

1-      Conte-me como você descobriu a amendoeira.
2-      Deu um nome a ela?
3-      Como começou “a amizade” de vocês?
4-       Você costumava conversar com ela? Sobre o quê? Acha que ela o ouvia? Que tipo de resposta ela te dava?
5-      Me conta como era sua rotina (ia pra escola, fazer dever de casa, jogava futebol, morava com quem, tinha irmãos, brincava com eles, de quê, já gostava de desenhar e o que gostava de desenhar?)
6-      Descreva sua casa e o quintal onde ficava a amendoeira.
7-      Você chegou a pesquisar sobre amendoeiras? Ou sobre árvores? O que descobriu sobre as amendoeiras ou as árvores em geral nestas pesquisas?
8-      Quando foi que você descobriu os morcegos que moravam nela?
9-      O que sentiu quando viu os morcegos e descobriu que tinham feito da árvore sua morada?
10-   O que as outras pessoas pensavam da amendoeira?
11-   O que as outras pessoas pensavam dos morcegos?
12-   Você chegou a pesquisar sobre os morcegos? O que descobriu sobre eles?
13-   Seus morcegos tinham nome? Você sabe se eles eram um casal?
14-   O que você observou neles que te impressionou?
15-   Você tentava capturá-los? Se não, por que não?
16-   Se sim, para quê?
17-   Tinha medo deles?
18-   O que fez para combater o medo?
19-   Na sua opinião, eles eram uma ameaça à amendoeira ou tinham direito a ela tanto quanto você?
20-   Você tentou desenhá-los?
21-    Conte-me o episódio em que a árvore foi derrubada.

Dei sorte. Ele topou!!! E para encurtar, essa história teve final feliz! Obrigada, querido! Muito obrigada de coração. Esse livro é seu, muito seu.

Aí entra a Luciana Bastos Figueiredo. Minha amiga desde sempre. Amiga dos meus sonhos, dos meus escritos. Em 2000, me lembro que a Lu ainda era estagiária da Casa da Palavra quando entreguei, à Martha Ribas, editora de lá, o texto "Doroteia cheia de ideia" para avaliação. Num outro dia, estive na editora para alguma coisa e topei com a Luciana, que me disse: "Li seu texto e adorei". Esse texto ainda não saiu da gaveta, mas nunca esqueci o incentivo. Aí, no decorrer desses 13 anos, encontrava a Lu na praia, nos sambas, em feiras de livro ou almoçando perto da Rocco, onde ela trabalhou como editora de livros para crianças e jovens. Luciana editou, em 2011, meu primeiro livro na Gryphus. Luciana recebeu o texto de "Lá no Meu Quintal" logo depois da Flip, no comecinho de julho de 2013, há pouco mais de três meses. Não sei quantos dias ela trabalhou até altas horas da madrugada, que esforços ela fez, quantos fins de semana ela sacrificou para que este livro ficasse pronto até o fim de setembro. Ela nunca me deixou apreensiva, nunca passou adiante nenhuma dose de sua preocupação. No domingo, quando cheguei em casa, li o livro todo, acompanhado pelas ilustrações do talentoso aquarelista que escolhi para mim. Sou uma sortuda, só digo isso. Luciana Bastos Figueiredo é a melhor editora que eu poderia querer para qualquer livro meu. Obrigada, Lu. Eu te disse em Paraty, antes desse livro pensar em existir: onde eu estiver falando sobre os meus livros, daqui cem anos que seja, seu nome será sempre mencionado com o maior orgulho e a maior admiração. (As fotos foram postadas no álbum do evento, no Facebook pela Luciana.)  

Ilustrador foi a inspiração para o personagem do livro

 
Luciana: editora preferida também lançou um livro dela

Nosso Quintal povoado de tanto amor que nem sei...

Marília, Edna, Lu, Andrea e Sandra: para quem pode

Sobrinho danado de lindo clicados pela Marilia Pirilo

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O gato




Esse meu gato bonito
Por tudo o que faz e não faz
E que por nada me ama
E só de amar é capaz

Esse meu gato valente
Tem um segredo no peito
Para ter cama e carinho
Tem que me adorar direito

Esse gatinho safado
Que não me deixa dormir
Faz concerto de miado
Não tenho pronde fugir

Essa balada noturna
Ainda acaba comigo
Se não fosse tanto amor
Eu diria que é castigo

Pior foi que a serenata
Durou até de manhã
Melhor aceitar o fato
Dormir hoje: só amanhã

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Colo de mar


Caminho de lá, louco e longe
Nas trilhas com vagar danço
Um olho em todo o lugar
O outro a mirar defronte

Colo o ouvido no mar
Colho a espuma
Escolho a pérola
Brinco de anel e colar

Do mar ecoam enredos
Evocam prantos de estrelas
Cavalos marinhos gracejam
Revelam das ondas os medos

Da ilha a gaivota aponta
Fundo à vista
Feixe esconde peixe
O silêncio não conta

Desponta cor de laranja
Horizonte do pé a ponta
Janaína desponta o Sol
Maré se recolhe, tonta

Vento anuncia a noite atracar
Já tantas estrelas postas
Uma concha a me aninhar
Ouriço a me coçar as costas

Navios não me verão partir
Para longe do mar como antes
Salgado rio gigante
Caminho de cá, louco e longe


(outubro de 2013)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Adivinha do tempo ao vento


O tempo perguntou se o vento podia levar pra longe toda a dor que há no mundo
O vento respondeu ao tempo que enquanto houver vida no mundo haverá a dor

O tempo perguntou se o vento podia levar pra longe toda a solidão do mundo
O vento respondeu ao tempo que enquanto houver homens no mundo haverá a solidão

O tempo perguntou se o vento podia levar pra longe toda a ingratidão do mundo
O vento respondeu ao tempo que enquanto houver coração no mundo haverá a ingratidão

O tempo perguntou se o vento podia levar pra longe todas as pedras do fundo
O vento respondeu ao tempo que as pedras construíram versos
Dos poemas que há no mundo

O vento perguntou ao tempo quanto tempo o vento tem
O tempo respondeu ao vento que o vento tem muito tempo
Em quanto tempo ele vem?

Se ele não vier com o vento
Eu invento enquanto é tempo

Outro tempo pro meu bem

(2003 - Para Marina, irmã mais bonita que eu podia querer) 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Poesia no Parque da Ruínas

Sarau de amor
Porque amanhã é sábado
Vinicius merece
Nós merecemos
Vocês também merecem
Venham!




quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Desentendido

Então, Deus, é verdade que todo mundo parte?

Os amigos tão cedo
Os outros mais tarde

Pra essa dor latente
(mãe da dor de dente)
Que é saber da partida de um amigo querido de
Um mais do que querido amigo da gente
Não há poema que fique bonito

Então, ora, Deus, pra que serve a arte?

(Set 2003)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Não era outra vez


         Escureceu e Teca percebeu que tudo era uma vez. Só uma mesmo. Nunca podia ser duas vezes ou três, muito menos muitas. E tinha que ser uma de cada vez.
  
     Ela já tinha reparado que a segunda-feira também não chegava de novo, e até que isso ela achava bom.  Mas quando se deu conta de que o dia seguinte não era outro domingo, não danou a chorar. Ela era valente! Decidiu pagar pra ver.

     Aí disseram pra ela que o problema era do tempo das coisas. O tempo é que não deixava nada acontecer de novo. Disseram que o mar, a cada segundo, é outro mar. O mundo parece o mesmo, mas é outro mundo.

    - As pessoas também mudam um pouco todo dia, sabia?

    -  Só em livro é que o “Era uma vez” se repete?
 
   - Nem em história, garota! Nunca ouviu dizer que “quem conta um conto aumenta um ponto”? E se a sua avó lê um livro, a história não é a mesma contada pela sua mãe.

     Antes do dia ir embora, Teca resolveu falar com o Tempo.

     - Eu quero falar com Dez Para Meia-Noite.

     - Aqui não tem hora marcada. É por ordem de chegada.

     Teca viu o Tempo passando, e achou-o bem mais apressado do que quando passava pela aula de matemática. Ele não ficava parado e ela corria, corria, mas não conseguia alcançá-lo. Até que aproveitou um minutinho simpático e gritou:

     - Ei, Seu Minuto!

     Mas o danado voou. E veio outro, se aproveitando:

    - Que foi?

    Teca percebeu que eles eram quase iguais, mas não o mesmo.

   Vieram vários segundos, cada um de uma vez, cada um diferente do outro. E quando o dia estava quase indo mesmo pra sempre, ela se colocou na frente do primeiro minuto que se preparava pra entrar em cena e suplicou:

     - Ei, Seu Quase-Hoje, será que o senhor pode seguir o Quase-Ontem e fazer tudo igualzinho amanhã?

    Mas Ele já tinha escapulido.

   Teca se levantou da cama e viu, pela janela, que o Sol que tinha brilhado no domingo cedera lugar no céu a nuvens nunca vistas antes.

(set 2013) 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

De repente, pro Vicente

Que dia sensacional
É bem-vindo o meu amor
Não precisa mais chorar
Que a Titia já chegou

Esse aqui é o tal do mundo
Que você vai conhecer
Tem muita gente esperando
Pra ver e amar você

É tudo maravilhoso
Diferente e colorido
Nem tudo é organizado
Mas é muito divertido

Olha! O mar tem carneirinhos
E a água é refrescante
O céu tem mil estrelinhas
A lua é deslumbrante

Da mamãe e do papai
Não preciso nem falar
Basta só um minutinho
Pra você se apaixonar

O Tio Antoninho e a Lu
O Vô Béo e a Titia
Vão ser os melhores amigos
Do Vicente todo dia

E tem outro tio Antônio
Que vai morar bem pertinho
E tem a supertia Helena
Que vai cobrir de beijinho
E ainda a tia Clara
Que vai mimar o sobrinho

O seu bisavô Luís e a bisa Meire também
Serão os mais orgulhosos
Quando chegar o neném
E vão paparicar tanto
Não vai sobrar pra ninguém

E tem a vovó Vivi
Que é a mamãe da Titia
É sua também a casa dela
Olha só que alegria!

Não que lhe faltem vovós
Mas isso nunca é demais
O amor é multiplicado
Maré mansa pro rapaz

Uma muito especial
É a sua vovó Alice
“Vai ser sua grande amiga”
Foi um anjo que me disse

A sua avó Ludmila
está mais bonita, gente!
É por causa da alegria
Da chegada do Vicente

O pai dela é o bivô Gadi
Que você vai adorar
Senta lá no colo dele
Pruma história ele contar

Madrinha você já tem
Mas não é exclusiva não
No coração da Amália
Tem afilhado de montão

E quem é aquela gatona
Cheia de amor pra te dar?
É a querida Lelé
Dessa você vai gostar

E ainda nessa família tem gente muito importante
Tem uma trinca lindinha
Três colinhos interessantes
Elza, Mariana e Flavinha

O seu avô Edgard,
que te faltou conhecer,
é um cara tão legal...
Mas pra que time esquisito
Ele inventou de torcer!

Essa história de futebol
Não é nada complicada
Basta ser bom rubro-negro
O resto é bola furada

Há outras coisas legais
Nesse mundo de gente bamba
Mas como o poema é meu
Vou ter que exaltar o Samba

E também dizer que o livro
É um bom amigo do peito
Não adianta ser bonitinho
Se não usar a cabeça direito

Na mundo tem outro tanto
Que mais vale viver pra ver
Do que ficar só falando
E deixando a vida correr

E só para terminar
Eu tenho que confessar
Que felicidade de Titia
É difícil de explicar

De hoje e até sempre
Sua tia está aqui
E onde você estiver
E onde você existir

(agosto de 2009)

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A casa tomada

Ele entrou na frente. Ia segurando a mão da mais velha, e a mais nova dependurada no outro braço. Doía, acredito, pela expressão franzida que sua testa carregava. Logo atrás dos três pirralhos seguia eu. De tênis novo - novinho -, meu presente do Papai Noel.

         Ele estava cheio de si. Tinha cumprido o que prometera: a casa era nossa.

         – Eu pedi a biblioteca, lembra?, quando você me mostrou a foto – eu disse, com algum receio que não demonstrei.

         Como eu era o mais velho dos homens e ele me devia alguns favores, não houve o que objetar. Quando vi o tamanho do brinquedo, perguntei, mais uma vez, se ele tinha roubado. Mas ele disse que não, que comprou, e mostrou um papel. 
         – Quanto você pagou por ela?

         – Trinta bolinhas e duas bonecas.

         – A minha boneca? – perguntou Irene encrespada.
         – Não, aquela boneca sua era feia demais, ninguém ia querer.

         – Então qual? Já sei: a da Filó, a grande, e a que você roubou da Ritinha.

         Ele não disse que sim. Também não negou. Então nós quatro nos olhamos. A Filó olhou por cima dos óculos desproporcionais que ela usava. Mas a casa era grande mesmo e nós entramos para ver. Eu só queria ver os livros, não gostava mais de jogar bolinha de gude.

         Entramos tentando fazer o menor ruído possível. 
Filó colocou Irene no chão, que quase chorou, não fosse uma mão abafada a cobrir sua boca. Senti que nossa presença parou o ar. Assim, as coisas vivas (e estavam mesmo vivas) morreram quando nós passamos a habitar a casa. Quando chegamos e dominamos a nossa ala.

         Tudo então era nosso, o plano tinha dado certo e, agora, nós quatro éramos uma família com casa e tudo. Ainda tínhamos que crescer. E aí, ele se casaria com Irene. Eu me casaria com Filó.

         E já estávamos vivendo ali como se as horas fossem dias passados. Mas o que não esperávamos era o trabalho que dava viver em uma casa daquelas. A divisão das tarefas no que dizia respeito à limpeza dos cômodos não tinha sido planejada. E passávamos mais tempo a discutir quem faria o quê do que desfrutando de nossa propriedade.

         Ele, apesar de esperto , para fazer negócios, era um frangote que não dava conta de trabalhar pesado. Com o tempo, já discutíamos se ele deveria ter comprado aquela ala ou a outra que, pelo que eu me lembrava, aparentava ser maior.

         Para tomar a outra parte, era preciso entregar outro saco com 50 bolinhas e, aí sim, as bonecas da  Filó e da Irene.


         Aí não, as mulheres não aceitaram. Peguei Filó e fomos embora. Ele e Irene ficaram.
(2009) 

sábado, 21 de setembro de 2013

Alguém não viu a Lua?

O Tempo passou, o expediente da Noite acabou, mas o Sol perdeu a hora de dar bom dia. A lua estava cada vez mais... lunática. O astro-rei estava muito preocupado:
- Lua, pare com essa bobagem de se apaixonar a cada esquina por gente tão diferente de você.
Perambulando de um lado pro outro, a Lua só suspirava, sem nada responder ao Sol.
- Tatu não vê a lua... Tatu não vê a lua...
- Minha cara, isto é uma fase... Você já se apaixonou por essa Terra inteira e todas as suas paixões duraram apenas algumas noites. Além de terem sido tão frutíferas quanto são macieiras secas por mim.
- Mas esta é a primeira vez que me sinto assim, eu juro!... Dessa vez é diferente... Aquele Tatu vai olhar para mim!
- Você está cega, minha amiga!  Devia ter escolhido uma criatura mais atraente. O que você viu naquela casca dura e naquela bicudo com dente?
- Mais respeito com a minha dor, seu invejoso: o Tatu é ma-ra-vi-lho-so!
O Sol se pôs a rir. E nasceu mais um dia.
O Tempo passou. O expediente do Sol acabou. E a Lua, cheia e vistosa saiu para tentar flechar o seu alvo, escoltada por Vênus.  Os dois formavam uma dupla, que dupla! Como era domingo, a Terra parou pra ver o show celestial.
E eis que o Tatu também viu. E achou-a tão linda... deu uma vontade de chamar a companheira para contemplarem juntos aquela maravilha...
Ainda lá do alto, a Lua não reparou logo que o seu convidado preferido chegou à festa acompanhado por outra dama.  Exibiu-se toda!  Uma estrela meio apagada foi quem a provocou, com uma voz bem escovada.
- O Tatu está gamado, mas não é na senhora, não, Dona Lua! Veja quem está a seu lado...
A Lua ameaçou sumir e não voltar nunca mais, mas Vênus a encorajou a reparar em volta. Quem sabe a dor não ia embora?
- Pense bem, Lua! De amor eu entendo! Todo o povo está fascinado! Vá viver! Vamos aproveitar!
Parece que a Lua ouviu o conselho e antes de o Sol lançar seu raios matinais, se dizia pronta para viver um novo amor...

(setembro/2013)

Canto de encantar passarinho


Um dia o passarinho desapareceu de cantar.  O mais cantador da vila. Todo mundo queria. Até a Firimina e eu. O Nino, que era o dono, chorou. Mais de mansinho, um soluço quase mais desaparecido que o canto do passarinho.
Quando ele quis ver, Firimina mentiu. Disse para a vila toda que “o bichinho estava morrido, tinha sofrido nada, não, bobinho!” Mas enterraram no lá longe para aquela alma perdida não vir cantar e assustar a gente da casa. Foi aí que Nino não prendeu a resposta na boca. Soltou um grito tão alto que fiquei ouvindo por três dias.
-  Mas era tu que vivias dizendo que não gostavas dele, Firimina! Eu gostava que ele cantava pra mim!
Só que era mentira da Firimina. Foi ela que colou, com cola de marinheiro, o bico do pobrezinho. Deu nó nas asas e nos pés do passarinho. Cantar ele não podia mais!  Muito menos dar pulos de lado quando via o dono menino alegrado.
Depois da terceira noite sem esquecer o Nino, decidi comprar os pios que o Zé Pião vende na feira.  Aqueles de madeira.
A partir de amanhã vai acontecer a maior sinfonia que essa vila já ouviu e não ouviu. Eu e o Nino vamos piar os pios-passarinhos até que a Firimina  também mude a ideia dela e faça o passarinho aparecer de cantar de novo. Vai ser o milagre de São Francisco que eu jurei para Nino que acontecia.  Se ele prometesse me dar o passarinho...

 (setembro/2013)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Sexta-feira: o que será?



Sem tevê, ler!
Sem te ver, escrever!

Dormir sem luar
Partir sem chegar
Ir ao não lugar
Encontrar ninguém

Para amar o amado?
Esperar o sábado
Mas ele não vindo:
Amanhã é domingo 



Inércia

O vaso de cerâmica cor de vinho está há anos no mesmo lugar
O objeto artesanal espera Iná precisar de aparador para servir o jantar da família

Iná está sentada à mesa  esperando o futuro que lhe avisaram que um dia ia chegar

O quadro, cheio de poeira
Natureza morta
Na parede defronte
Foi presente do casamento desfeito

A sopa espera o futuro para esfriar
É silêncio em casa

E, no entanto, já caíram as folhas e cresceram os cabelos
O futuro que Iná esperava já chegou
Sem a algazarra das crianças, o cheiro do cozido, as histórias que inventou
Para contar às meninas de camisola

E teimou em repetir o passado
Iná sozinha
O vaso, o quadro

Iná, à mesa, segura o lápis com força, as mãos tremem para começar a contar a vida que imaginou para si


Mas que se esqueceu de viver

(2005) 

Despertar




Como esconder o que restou da história
O que adormeceu em mim, o que renasceu em você na madrugada?

Como cantar o sentimento
Se toda canção nasce do alento
E qualquer sonho, antes de se tornar real,
É ilusão e mais nada?

Bom é poder semear o sonho
Com os pés firmes no chão
A tempo de poder assistir
Ao raiar tardio da canção

E ainda antes que o sol amanheça
Despertar a rima para o menino
Pois, afinal, tal qual o sonho
(quem duvida?)


O futuro é divino.

(2006)

Tempo de nada entender


De onde vem tanta saudade?
Onde estou que não aí?
Por que não confessei te amar?
Por que não escolhi fugir?  
O que não pude mostrar?
O que não demonstrei sentir?
Que chance não te pedi?
Que conselho não ouvi?
Que fato ousei contestar?
Será que eu só me iludi?
Que carta  não te escrevi?
Que prazer não soube dar ?
Pra que tentar evitar?
Por que tentei existir? 
Posso ir aí te buscar?
E se eu, de fato, partir?
E se eu nunca mais sonhar?
Em que é que eu não te entendi?
E se eu te der o luar?
E se eu não me arrependi?
Do que você teve medo?
E o que eu não soube suprir?
Por que eu quero me entregar?
Do que eu não te convenci? 
O que é que eu achei que sim?
Por que não enxergo o fim?