segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A casa tomada

Ele entrou na frente. Ia segurando a mão da mais velha, e a mais nova dependurada no outro braço. Doía, acredito, pela expressão franzida que sua testa carregava. Logo atrás dos três pirralhos seguia eu. De tênis novo - novinho -, meu presente do Papai Noel.

         Ele estava cheio de si. Tinha cumprido o que prometera: a casa era nossa.

         – Eu pedi a biblioteca, lembra?, quando você me mostrou a foto – eu disse, com algum receio que não demonstrei.

         Como eu era o mais velho dos homens e ele me devia alguns favores, não houve o que objetar. Quando vi o tamanho do brinquedo, perguntei, mais uma vez, se ele tinha roubado. Mas ele disse que não, que comprou, e mostrou um papel. 
         – Quanto você pagou por ela?

         – Trinta bolinhas e duas bonecas.

         – A minha boneca? – perguntou Irene encrespada.
         – Não, aquela boneca sua era feia demais, ninguém ia querer.

         – Então qual? Já sei: a da Filó, a grande, e a que você roubou da Ritinha.

         Ele não disse que sim. Também não negou. Então nós quatro nos olhamos. A Filó olhou por cima dos óculos desproporcionais que ela usava. Mas a casa era grande mesmo e nós entramos para ver. Eu só queria ver os livros, não gostava mais de jogar bolinha de gude.

         Entramos tentando fazer o menor ruído possível. 
Filó colocou Irene no chão, que quase chorou, não fosse uma mão abafada a cobrir sua boca. Senti que nossa presença parou o ar. Assim, as coisas vivas (e estavam mesmo vivas) morreram quando nós passamos a habitar a casa. Quando chegamos e dominamos a nossa ala.

         Tudo então era nosso, o plano tinha dado certo e, agora, nós quatro éramos uma família com casa e tudo. Ainda tínhamos que crescer. E aí, ele se casaria com Irene. Eu me casaria com Filó.

         E já estávamos vivendo ali como se as horas fossem dias passados. Mas o que não esperávamos era o trabalho que dava viver em uma casa daquelas. A divisão das tarefas no que dizia respeito à limpeza dos cômodos não tinha sido planejada. E passávamos mais tempo a discutir quem faria o quê do que desfrutando de nossa propriedade.

         Ele, apesar de esperto , para fazer negócios, era um frangote que não dava conta de trabalhar pesado. Com o tempo, já discutíamos se ele deveria ter comprado aquela ala ou a outra que, pelo que eu me lembrava, aparentava ser maior.

         Para tomar a outra parte, era preciso entregar outro saco com 50 bolinhas e, aí sim, as bonecas da  Filó e da Irene.


         Aí não, as mulheres não aceitaram. Peguei Filó e fomos embora. Ele e Irene ficaram.
(2009) 

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